UMA NOVA FAMÍLIA - Capítulo 1
À PROCURA DE MEU PAI
Sozinho, com uma bolsa nas costas e uma sacola na mão, eu andava pelo aeroporto. Essa foi a minha primeira viagem de avião e eu disfarcei ao máximo meu medo durante o voo. Agora, andando em terra firme, eu ainda me sentia tonto e continuava ouvindo um forte zumbido, como se meus ouvidos fossem explodir. Olhava assustado de um lado para o outro, à procura do pai que eu ainda não conhecia pessoalmente.
Nasci em Recife, mas, com menos de um ano de idade, minha mãe se separou do meu pai e me levou com ela para morar numa pequena cidade do interior, onde vivi até ontem. Passei meus vinte anos sem nenhum contato com meu pai, era como se ele tivesse morrido. Minha mãe nunca falava sobre ele e quando eu lhe perguntava alguma coisa, ela dizia que não se sentia bem em falar sobre ele, mas me prometia que, quando eu fosse adulto, ela me contaria minha história.
A presença de meu pai na minha vida era apenas a pensão que ele depositava todos os meses para minha mãe usar para cobrir minhas despesas. Acostumei-me com essa ausência, até porque minha vida era muito boa com minha mãe e meu padrasto, que me criou como se eu fosse seu filho. Minha mãe se chama Marlene, tem apenas trinta e nove anos, é uma mulher de baixa estatura, de cabelos cacheados e muito bonita. Meu padrasto se chama Carlos, ele é um negro careca, de sorriso perfeito e corpo atlético. Formam um belo casal e juntos formamos uma bela família.
Mas, há algum tempo, renasceu em mim o desejo de conhecer meu pai e passei a cobrar isso da minha mãe. Eu já estou com vinte anos, não sou mais criança, tenho o direito de conhecer o homem que é meu pai. Cheguei a pensar que ele seria um criminoso, um traficante, um assassino. Mas minha mãe me garantiu que ele não era nada disso, segundo ela, ele é uma boa pessoa, honesta e trabalhador. Mas ela queria que eu ficasse distante dele e isso eu não conseguia compreender.
Durante duas semanas, eu insisti para que ela me contasse a história do meu pai, mas ela dizia que depois falaria… depois… Até que um dia, ao entrar em casa, encontrei-a conversando com alguém pelo celular e percebi que ela estava meio nervosa. Ao me dirigir para meu quarto, ouvi quando ela disse para a pessoa com quem ela conversava:
_ Está bem, vocês têm o direito. Passarei seu número para ele.
Quando saí do banho, minha mãe e Carlos já estavam sentados para o jantar. Sentei com eles e jantamos em silêncio. Ao fim do jantar, minha mãe me disse:
_ Iago, algum dia você vai me perdoar por eu ter impedido você de conhecer seu pai durante todos estes anos?
Eu olhei para meu prato já vazio e nunca poderia ter raiva da minha mãe, mas eu precisava conhecer melhor a minha história. Sem olhar para ela e nem para meu padrasto, falei baixo:
_ Mãe, eu só quero que você me deixe conhecê-lo agora. Por favor.
Meu padrasto permanecia calado e ela pegou o celular e digitou alguma coisa. Meu celular vibrou no meu bolso e eu compreendi que ela havia me mandado o número dele. Levantei-me para ir para meu quarto, mas antes ela pegou na minha mão e me disse:
_ Desculpa, meu filho. Eu só quis proteger você, mas talvez eu tenha feito tudo errado. Ligue para ele. Seu pai também esperou por isso todos estes anos.
Minha vontade era abraçá-la, mas fui para meu quarto e me deitei na cama. Fiquei pensando, pensando, imaginando como era meu pai. Toquei na mensagem de minha mãe e lá estava o nome dele, Daniel, e o número do celular. Fiquei olhando e imaginando quando teria coragem para ligar. Eu queria muito falar com ele, saber por que ele nunca me procurou, nunca me visitou, nunca ligou para falar comigo. Mas tinha medo da realidade. Minha mãe deveria ter um motivo muito sério para me esconder dele. Virei na cama sem conseguir dormir, até que, quando já passava da meia noite, peguei o celular e decidi mandar uma mensagem para ver se ele responderia, ou se ele tomaria a iniciativa de ligar para mim. Olhando para a tela, imaginei que ele estivesse dormindo e decidi mandar logo a mensagem para que ele visse assim que acordasse. Escrevi apenas: Pai. Coloquei o celular na mesinha de cabeceira e virei para o lado, na esperança de conseguir dormir.
Levei um susto quando o celular começou a vibrar. Antes de pegá-lo eu já sabia quem era. Num impulso, resolvi atender, mas, antes que eu conseguisse falar alguma coisa, uma voz suave me disse: Filho.
Foram dois meses de conversas com meu pai. Ele me falava sobre seu trabalho como gerente de uma grande loja de roupas e me contava como era a vida numa cidade grande. Eu falava sobre como era minha vida numa cidade pequena e meus planos de fazer faculdade de Engenharia. Quando revelei meu interesse por esse curso, ele ficou eufórico e me disse que estava muito orgulhoso de mim. A cada dia nos conhecíamos um pouco mais e, mesmo distantes, sentíamos que nos gostávamos muito. Mas havia coisas sobre as quais não falávamos ainda. Havia muitas perguntas sem respostas. Ele me disse que chegaria o momento em que precisaríamos ter uma longa conversa, mas fazia questão de dizer que me amava e que eu era a pessoa mais importante do mundo. Numa ocasião, ao me dizer isso, eu tive a impressão de que ele estava chorando e fiquei também muito emocionado.
Até que ele me convidou para vir passar algum tempo com ele em São Paulo, o tempo que eu quisesse. Seria um período para nós nos conhecermos melhor.
E agora eu estou aqui, neste aeroporto que parece ser maior do que a cidade de onde eu vim. Estou apavorado, sinto falta de minha mãe, de meu padrasto, de meus amigos. Mas preciso conhecer meu pai, conhecer essa outra parte da minha história. Sinto-me perdido e pequeno, apesar de já ser um rapaz de vinte anos de idade. Minha mãe me revelou que, na altura eu saí a ele, por isso, não sou baixinho como ela. Meu cabelo liso e preto e meus olhos grandes também devo ter herdado dele. Andando pelo aeroporto, eu procurava um homem que parecesse comigo, mas ele não aparecia.
Numa das nossas conversas, pedi a meu pai que me mandasse uma foto, para que eu visse como ele era, mas ele me disse apenas que não gostaria que eu formasse minha primeira impressão sobre ele através de uma foto. Fiquei curioso, mas teria que esperar um pouco. No perfil dele no celular, no lugar da foto, havia apenas uma frase: “A chave do coração está dentro”.
Já estava cansado de andar e admiti que estava perdido. Decidi pegar o celular na bolsa para ligar para ele. Quando estava de cabeça baixa mexendo na bolsa, alguém tocou no meu ombro e perguntou:
_ Iago?
Levantei o rosto confuso e fiquei olhando para uma moça de longos cabelos negros e sorriso bonito. Ela deveria ter em torno de quarenta anos, usava um vestido elegante que modelava seu corpo de uma forma sensual. Ela me olhou atentamente, como se estivesse me reconhecendo, e com um brilho nos olhos, disse:
_ Iago! Desculpe, eu encarei um longo engarrafamento! Mandei uma mensagem para você, mas parece que você não observou o celular! Que bom que já nos encontramos!
Antes que eu pudesse falar alguma coisa, ela me puxou e me abraçou com força. Eu sentia os seios dela apertados contra o meu peito, o cabelo dela roçava na minha orelha, e o perfume que ela usava era tão bom que, mesmo envergonhado, eu desejei que aquele abraço demorasse mais. Porém, ela me soltou e disse sorrindo:
_ Como você é bonito!
Olhei para baixo sem jeito e senti que, no abraço, eu havia ficado excitado e tive medo de que ela percebesse o volume que se formava na minha calça. Ainda atrapalhado, consegui perguntar:
_ Foi meu pai que mandou a senhora vir me buscar aqui?
Ela, já começando a andar, disse:
_ De certa forma, sim. Mas, vamos andando, meu carro ficou estacionado um pouco longe. Vamos para casa, você precisa descansar.
Saí andando ao lado dela e percebi que alguns homens a observavam com desejo. Realmente era uma mulher muito bonita. Ao andar, seu corpo, equilibrando-se num salto alto, gingava de forma leve e sensual. Pensei: ela deve ser a namorada de meu pai, ele é um homem de sorte. Perguntei-me se ela havia sido a causa da separação da minha mãe. E imaginei como seria para mim, um jovem com os hormônios fervendo e cheio de tesão, ficar na mesma casa com aquela mulher tão bonita, tão sedutora. Já sabia que bateria muitas punhetas pensando nela.
Dentro do carro, respirei fundo. Estava muito cansado mesmo. Havia dormido muito pouco nos últimos dias, por causa da ansiedade em torno da viagem. Durante o voo, não consegui me acalmar um minuto sequer. Estava com o corpo pesado e precisava dormir bastante, para recuperar as energias. Ela conversava comigo como se me conhecesse muito bem. Perguntou sobre meus estudos, falou sobre a minha viagem e me perguntou sobre o lugar de onde eu vim. A voz dela me parecia conhecida, e eu tentava me lembrar onde havia ouvido aquela voz antes. Meio sem jeito, ela perguntou sobre minha família:
_ E Marlene, como ela está? O marido dela é um bom homem? Ele lhe trata bem?
Respondi com frases curtas e fiz a pergunta que me ajudaria a compreender aquela situação:
_ Quem é a senhora?
Ela ficou muito séria enquanto dirigia e parecia muito concentrada no trânsito. Até que chegamos a uma casa muito bonita. Ela apertou o botão de um controle remoto para abrir o portão da garagem. Com segurança, ela manobrou o carro para colocá-lo lá dentro. Antes de descermos, ela respondeu minha pergunta:
_ É uma longa história.
Saímos do carro e fomos andando pelo jardim, eu com a bolsa nas costas e ela com a minha sacola nas mãos. Dentro da casa, havia luzes acesas e eu imaginei que fosse meu pai que nos esperava. Fiquei nervoso imaginando como seria aquele encontro. Senti medo da realidade que se revelaria para mim, mas não poderia recuar. Quando entramos na sala, um homem veio em nossa direção, abraçou forte a mulher, beijou-a nos lábios carnudos, e falou alegremente:
_ Daniele! Que bom que vocês chegaram! Estava ansioso para conhecer este rapaz! Tudo bem, Iago?
Confuso, eu estendi a mão para ele e respondi:
_ Tudo bem.
Ele apertou minha mão com força e me puxou para um abraço. Era o segundo abraço que eu recebia na minha nova vida, mas ainda não era o abraço de meu pai. Aquele homem era muito jovem, quase tão jovem quanto eu. Não poderia ser meu pai. Não era ele. Olhei para a mulher sem saber o que dizer, e ela me explicou:
_ Iago, este é Lucas, meu namorado.
Lucas sorriu e disse:
_ No fim de semana eu estarei de folga e podemos sair juntos para conhecer algumas coisas da cidade. Vai demorar um pouco para você conhecer tudo, mas espero que você fique muito tempo com a gente.
Eu não estava entendendo mais nada e senti até um certo pânico. Saí da casa de minha mãe e de meu padrasto e vim encontrar um homem chamado Daniel, meu pai. Mas estava sozinho numa cidade desconhecida com pessoas que eu nunca tinha visto antes e que sabiam muitas coisas sobre mim. E meu pai não aparecia. Fazendo esforço para não demonstrar meu nervosismo, olhei para a mulher e, chamando-a pelo nome, perguntei:
_ Daniele, onde está meu pai?
Daniele e Lucas se olharam visivelmente nervosos. Ele tomou a iniciativa de pegar minhas bolsas e disse:
_ Eu vou levar suas coisas para o quarto que preparamos para você. Depois vou terminar o jantar, você deve estar com muita fome. Se precisarem de alguma coisa, é só chamar por mim.
Percebi que ele havia ficado tenso e tinha procurado um jeito de me deixar sozinho com a mulher dele. Em pé, no meio da sala, eu e Daniele ficamos nos olhando. Lembrei-me da voz de meu pai, do seu jeito suave de falar, da forma carinhosa de me chamar de filho. De repente, senti um estalo na minha mente e minha garganta ficou seca. Tentei dizer alguma coisa, mas não saía som algum da minha boca.
Com voz trêmula e lágrimas nos olhos, aquela bela mulher, enfim, respondeu minha pergunta:
_ Meu filho...
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Olá, leitores. Começa aqui uma nova série. Agradeço a todos os que leram este primeiro capitulo no qual a trama foi introduzida.