Entregas Especiais – Capítulo 11 – O Reencontro Fatal

O Augusto levou-me em um bar no bairro de Santana, o pessoal costumava reunir-se no local para comerem algo e já começavam a beber antes de irem para as casas noturnas. Só então fiquei sabendo que a festa privada, a qual iríamos, tinha uma pegada diferente; era um misto de Balada e Festa do Pijama para adultos. Rolaria até o avançar do dia seguinte (domingo). O local era na Serra da Cantareira, ali mesmo na zona norte de São Paulo.

Ainda no bar, conheci alguns dos seus colegas, inclusive um que parecia ser o mais sem noção da turma; além de ficar me assediando com olhares, caras e bocas, ainda fez questão de ficar exibindo um chaveiro com o logotipo nada discreto da BMW. O Augusto já havia me falado dessa tática do colega para tentar pegar garotas nas baladas. No entanto, o carro dele era um Corsa Classic 2012.

— E funciona? — questionei só de farra.

— Não, ele continua indo embora sozinho — respondeu o Augusto e gargalhou.

Era meia-noite e pouco quando chegamos em uma casa enorme que parecia estar em meio ao nada, em razão de só haver vegetação por toda volta. E o ponto alto do agito, aparentemente, acontecia na área externa, já que a noite estava quente e a piscina liberada. As condições eram propícias para uns figurinos mais praianos, tanto para homens quanto para mulheres que curtiam exibir suas formas físicas nessas baladas particulares.

Uma novidade, pelo menos para mim, eram as pequenas tendas tipo barracas de camping, oito ao todo e ao lado da piscina. Os convidados teriam privacidade para transarem no decorrer da festa. Pegamos uma senha assim que chegamos e também duas bebidas. Mais que depressa nos instalarmos em um dos moteizinhos de lona. Extravasamos todo o desejo acumulado durante aquela semana o transformando em uma pegada com orgasmos seguidos.

Mais tarde, depois do love gostoso, fomos abastecer nossos copos com a mistura de uísque e energético; a bebida era servida à vontade, assim como vodca. No caminhar entre os convidados o Augusto foi me apresentando para alguns dos seus colegas de trabalho e outros de noitadas.

O momento constrangedor aconteceu instantes depois: o encontro dele com sua ex-namorada. A fulana estava no interior da casa em companhia de um cara do círculo de amizades deles, e pelo grau das intimidades e carícias trocadas em um sofá, era evidente que estavam namorando (praticamente transando). O Augusto apontou para o casal e disse que ia até lá falar umas verdade para a vadia. Eu tentei contê-lo, pois pela sua linguagem, era óbvio que daria treta. Ainda tinha o agravante do homem estar embriagado, pois começou a beber no bar e não havia parado até então.

Não consegui segurá-lo, chegou até ambos com grosserias acusando o cara de fingir ser seu amigo só para pegar sua mulher. A garota ficou puta dizendo para ele respeitá-la e que ela não era sua propriedade. Completou dizendo que apesar de não ser da conta dele, ela só começou a ficar com o outro após terminarem o namoro.

Meu acompanhante perdeu a linha de vez a chamando de vadia mentirosa e ao outro de amigo sacana, entre outros pejorativos. Ela o chamou de bêbado descontrolado e disse que foi por isso que o deixou. Aí não prestou, fechou o tempo e foi um barraco total. Porém sempre tem a turma do deixa disso, eu ajudei a separar o trio com o auxílio do cara do chaveiro da BMW e uns outros.

A ex saiu com o namorado, eu fiquei com o Augusto no interior da casa. Ele estava igual ao dia em que o conheci: de baixa autoestima e carente, fugindo da realidade consumindo álcool e provavelmente drogas. Mas pelo menos ficou calmo.

Ficou tarde pra mim, precisava sair fora e dormir pelo menos um pouquinho antes do sol raiar. Depois precisaria ir para a porta da casa da colega antes da chegada do Edgar. Pedi para irmos embora, o Augusto disse que não estava em condições de dirigir. Falei que eu estava legal e dirigiria. Com a voz pastosa ele retrucou dizendo que estava curtindo a festa, pediu para ficarmos só mais um pouco. Eu pensei em pegar uma carona com qualquer um que estivesse saindo, porém precisaria da minha mochila que estava em seu carro.

— Me empresta a chave para eu pegar minha necessaire? Estou precisando retocar minha maquiagem.

Ele tirou o chaveiro do bolso e disse que ia comigo, no entanto, mal conseguia levantar-se. Puxei o chaveiro da sua mão e sai andando dizendo que voltaria rapidão, nem liguei para os seus protestos. Retornei com a mochila e encontrei o homem apagado de tão bêbado (eu supus a princípio). Nem se mexeu quando enfiei a mão em seu bolso para guardar o chaveiro… Fiquei apreensiva quando meus dedos tocaram algo, eram pinos de cocaína, havia vários. Deduzi que a droga não era apenas para consumo próprio, ele deveria estar vendendo para o pessoal da festa, era um traficante vip.

Caraca! Em que roubada eu estava me metendo? Eu pensaria naquilo em outra oportunidade, naquele instante eu só queria sair dali e teria que ser antes do amanhecer, mas aquela turma da festa estava animadíssima, calculei que não iria rolar uma carona tão cedo. Até pensei em sair com o carro do Augusto, mas lembrei de imediato que o veículo tinha um sistema biométrico de ignição, ou seja, eu precisaria da digital do homem para dar a partida. “E se eu pegasse o dedo dele emprestado? Hahaha — pensei sorrindo — não é uma boa ideia, mesmo adorando seu dedo mau, não o cortaria.”

O cara sem noção, o do chaveiro da BMW, chegou junto e ficou me assediando grandão depois que o Augusto apagou. Convidou-me para um drink dentro do ofurô. Eu recusei, expliquei que não trouxe biquíni. O safado disse que não era preciso roupa de banho, estávamos em uma festa adulta e liberal. Isso era verdade havia alguns peitos de fora ao redor e carícias pra lá de calientes fora das tendas. Vislumbrei a oportunidade de conseguir transporte para sair fora, não com ele, pois com certeza o tarado iria querer algo mais em troca. A ideia era pegar suas chaves e seu carro emprestado sem ele saber.

Felizmente os anjos conspiraram a meu favor; uma perua, digo, uma mulher ao nosso lado intrometeu-se na conversa e revelou seu desejo incontrolável de entrar no tanquinho. Ela estava vestida somente com um body negro (praticamente era um maiô). Pensei deduzindo: “Essa será minha chance de conseguir as chaves desse cara assim que ele der mole.”

Fiquei à espreita e esperei eles começarem a diversão dentro d'água. Quando vislumbrei uma oportunidade, passei ao lado das roupas, arrastei as chaves discretamente com o pé e as peguei sem ser notada.

Fui para a área de estacionamento e com o controle do alarme localizei o Corsa. Felizmente o som da balada era mais alto que o apitinho do alarme e também abafou o barulho do motor. Saí devagar e tudo conspirava a favor até então. O filme escuro dos vidros do veículo impediriam que alguém identificasse quem estaria ao volante. Afastei-me o suficiente da casa e comecei a dar um gás nos quilômetros seguintes. Fiquei pensando até onde iria e qual seria o melhor local para abandonar o carro do cara sem que eu fosse vista saindo dele.

Peguei meu celular que deu aviso de entrada de mensagem, poderia ser o Augusto. Não era, também não era importante. Depois eu mandaria uma mensagem para ele avisando que peguei uma carona pra casa.

— Merda! — dei uma bobeada na curva e a porra do celular escapou da minha mão caindo no piso do carro.

Não levei mais que um segundo para abaixar e pegar o danado, mas foi o suficiente para não perceber um cara cambaleando no meio da rua… Freei tarde demais e o acertei em cheio.

Super apavorada eu parei o carro e rezei para vê-lo ficar em pé. Girei o olhar em busca de algum observador, felizmente ali só tinha vegetação. Eu estaria fodida se fosse pega pela polícia. Seria acusada de roubo de carro, dirigindo sem habilitação e alcoolizada. Ainda tinha o meu passado que me condenava por atropelamento.

Não tinha viva alma naquele lugar. Arrisquei ir olhar como ele estava, poderia ligar para o resgate, mas não do meu celular, teria que achar um telefone público mais adiante. Desci do carro e voltei procurando pela vítima, não o via nem no asfalto e nem na lateral da rua.

Fiquei horrorizada quando o encontrei dentro de uma vala, era uma depressão do terreno. A visão lembrava a de um contorcionista com o corpo dobrado. O agravante era o pescoço quebrado que deixou sua cabeça para trás parecendo a menina do filme o exorcista. Ele não precisava de um médico e, sim, de um padre.

Eu ia correr para o carro e me mandar o quanto antes, porém, aquele rosto sujo de terra e ensanguentado pareceu-me familiar. Mesmo sabendo que precisava fugir enquanto era tempo, eu cheguei pertinho para conferir a minha suspeita… Jeeesus! Era mesmo o Paulinho, filho do prefeito.

— Que mundo pequeno. Você deu sorte da outra vez, mas hoje eu te peguei em cheio. — Descanse em paz, Paulinho!

Daisy saboreou o momento como uma libertação, levantou e olhou novamente em volta procurando testemunhas… Ninguém. Com uma frieza incomum ela olhou para o cadáver apontando o dedo e disse:

— E não atravesse mais o meu caminho!

Voltei correndo para o carro e desapareci daquele lugar. Depois Achei prudente livrar-me do veículo ao rodar por alguns quilômetros. Estacionei em uma praça de uma área residencial do bairro de Santana. Ainda no interior do veículo, vesti minha calça jeans, tirei o vestido, coloquei a blusa e troquei os sapatos pelo tênis. Limpei o interior do carro com meu vestido da melhor maneira que pude. Minha intenção era eliminar minhas digitais tanto dentro quanto do lado de fora do Corsa. Não satisfeita, andei em volta do veículo procurando por algum resíduo indesejável. O bagulho estava limpo, mas com uma marca evidente do impacto.

A seguir andei por alguns quarteirões até encontrar o metrô Santana. Livrei-me da chave jogando aquela coisa em uma boca de lobo momentos antes de entrar na estação.

Durante aquele dia algumas rádios deram uma notícia de forma discreta:

O corpo de um rapaz, de cerca de 20 anos, foi encontrado na lateral da Av. Santa Inês, próximo à serra da Cantareira. A vítima fatal de um atropelamento foi arremessada para fora da pista. Motociclistas passaram pelo local, viram o corpo e chamaram a polícia. Nenhuma identificação estava em posse da vítima. Também não havia indícios do veículo que o atingiu. A polícia vai investigar o caso.

No final do dia a notícia ganhou repercussão quando o prefeito reconheceu o corpo do filho no IML. A autópsia indicou que ele havia consumido álcool e algumas drogas características do golpe Boa Noite Cinderela.

A polícia ainda não tinha nenhuma pista sobre os autores do crime e o carro envolvido no acidente.

Continua…

Capítulo anterior: Entregas Especiais – Capítulo 10 – Pagando as Parcelas de um Consórcio

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Comentários

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03/05/2020 08:54:04
Adorei


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