Apenas uma história...
Fortaleza, Ceará
Quinta-Feira, Maio de:50 h da noite
Graças a Deus havia me livrado do engarrafamento em que estava preso desde às 19:20 h de uma noite bem diferente na Cidade. Na verdade estava tudo diferente não só na Cidade... Tentei não pensar muito na vida por enquanto, estava no trânsito e o que menos queria era mais um aborrecimento por conta de acidentes ou outra coisa qualquer. Chovia forte, coisa que não acontecia há muito tempo. Não houve inverno esse ano, pelo menos o que eles chamam de Inverno Regular... Jamais acreditei nesse pessoal da previsão, era sabido que eles mais erravam ou se equivocavam do que acertavam...
Guei com segurança e como já disse tentando me manter a salvo e aos demais motoristas e pedestres que haviam se aventurado assim como eu a voltarem pra casa debaixo daquele aguaceiro. Finalmente o muro do Condomínio e o portão de entrada. Buzinei umas cinco vezes até que finalmente o portão abriu e pude entrar com segurança no meu mundo particular. Dirigi o carro até minha vaga coberta no sub-solo e de lá mesmo tomaria o elevador para meu apartamento de quinto andar.
Travei as portas acionando o alarme, peguei a chave do carro e guardei no bolso da jaqueta preta que usava e com passos firmes me dirigi ao elevador. Esperei pacientemente até que ele viesse da Cobertura e pra minha surpresa, já que estava meio aéreo, ouvi uma voz conhecida...
_ Boa noite Matheus. Você chegando e eu de saída para mais um plantão...
_ Ah, boa noite Dr. Plinio... É como já lhe disse, sem o Senhor, aquele Hospital não anda.
_ E você meu rapaz, como tem passado? Você faltou a última reunião do Condomínio...
_ Pois é Dr. Plinio... Só que na noite em questão eu ainda estava de mudança e infelizmente não deu pra vir... Virão outras e com certeza estarei lá. Bom trabalho.
O Médico em questão me cumprimentou e saiu com passos rápidos até seu 4x4 cabine dupla. Era um cara sensacional. Tava na profissão certa. No mesmo instante que ele entrou em seu carro, a porta do elevador fechou e agradeci aos céus ele começar a subir. Meu celular chamou duas vezes até que olhei o visor e ao ver quem me ligava descartei a ligação imediatamente.
Finalmente cheguei ao andar em que morava sem que o elevador fosse parado em nenhum outro. Andei pelo corredor até a minha porta e finalmente deixei o mundo lá fora. Deixei minhas coisas no aparador do corredor e já fui me despindo até que cheguei ao quarto. Ali eu me sentia seguro, protegido. Não deixaria que nada penetrasse ou desfizesse a paz que conseguira no último mês. Fui até a grande janela do quarto e vi que a chuva aumentara de intensidade. Liguei o som e sintonizei numa rádio local que só tocava músicas antigas. Coloquei as roupas sujas no sexto do banheiro e automaticamente entre embaixo da ducha. A água quente me trouxe um relaxamento instantâneo e pela primeira vez desde que deixara esse meu refúgio por volta das 07:40 h da manhã voltei a ter paz.
Terminei o banho, me enxuguei com a branca toalha retirada do armário e após me vestir, fui até a cozinha preparar algo pra comer. Pedir comida estava fora de cogitação... Não era justo sacrificar alguém numa noite como aquela e um pobre entregador não merecia isso.
Cozinhei uma massa, fiz um molho rápido com tomates, carne moída, verduras e comi tudo o que pude com um boa taça de vinho tinto. Peguei a taça, a garrafa e me dirigi até o quaro novamente. No rádio a Divina Elisete Cardoso cantava com sua voz grave e ao mesmo tempo suave... AS PRAIAS DESERTAS CONTINUAM, ESPERANDO POR NÓS DOIS... A ESSE ENCONTRO EU NÃO DEVO FALTAR... O MAR QUE BRINCA NA AREIA ESTA SEMPRE A CHAMAR... AGORA EU SEI QUE NÃO, DEVO FALTAR... O VENTO QUE BRINCA LÁ FORA... O MAR ONDE NÃO VAI...
E o celular chamou mais cinco vezes cortando a minha viagem musical. O fixo chamou logo em seguida e a secretária eletrônica gravou a seguinte mensagem... NÃO ADIANTA VOCÊ FUGIR DE MIM RAPAZ... SOMOS IGUAIS... AMO VOCÊ... ME LIGA
Peguei a taça de vinho que já estava seca, a enchi pouco mais da metade assim que Angela Maria e Cauby Peixoto começaram... CONTIGO APRENDI QUE EXISTEM NOVAS E MELHORES EMOÇÕES... CONTIGO APRENDI A CONHECER UM MUNDO NOVO DE ILUSÕES... APRENDI, QUE A SEMANA JÁ TEM MAIS DE SETE DIAS, FAZER MAIORES AS PEQUENAS ALEGRIAS, A SER ALEGRE EU CONTIGO APRENDI... Sentei na poltrona em frente ao telão fechado e sem que eu percebesse, o passado voltou lentamenteFortaleza, ceará
Terça-Feira, Setembro de:15 h da noite
_ Porra cara, disse Jefferson, olha esse pau d'água que São Pedro resolveu mandar, Matheus.
_ Tu vai embora mesmo assim, Jeff? Era assim que eu o chamava desde que começamos a ter amizade na época do Ginásio... Hoje chamado de Fundamental II.
_ Tenho que ir, né? O foda é levar a mochila nas costas... Acho que vai molhar tudo. Tu bem que podia levar essa porra pra mim...
_ Ô sem noção, tu já viu o tanto de livro que tem aí nessa mochila? Tô fora irmão. Nem vem...
_ Pode deixar, cara. Eu sei que não posso contar nunca contigo... Logo você, meu amigão...
_ Jeff, hoje não é o primeiro dia de aulas, não sou mais calouro, você não vai mais me chantagear emocionalmente com esse tipo de argumento, beleza?
_ Tudo bem, Matheus.
Após falar isso já sorrindo, tirou uma sacola plástica da mochila, envolveu a mesma no plástico, montou na bicicleta e saiu com o dedo médio sendo mostrado pra mim enquanto pedalava na chuva...
_ Tchau Gene Kelly. Melhor, Jeff Kelly em Pedalando na Chuva... Gargalhei e o cara ficou possesso.
_ vai se foder Matheus...
Ele era o meu melhor amigo e depois que me vi sozinho embaixo daquela pequena árvore que funcionava como a parada de ônibus quase em frente da faculdade bateu um arrependimento por não ter ficado com sua mochila, por não tê-lo ajudado. No dia seguinte assim que ele chegasse eu falaria do impedimento, se é que ele já não tivesse visto... Porra eu tava com a minha mochila também e ainda levava na mão uma pasta com minhas anotações. Tava lá na maior expectativa de que o ônibus viesse logo porque eu já tava todo molhado quando um carro branco para, o motorista abre o vidro, o cara me chama com um aceno de mão e assim que me aproximei ele perguntou:
_ Quer uma carona, garoto? Isso aqui ta deserto e você pode sofrer alguma agressão...
Eu nem tava pensando em agressão, eu queria só que o ônibus visse pra eu poder chegar em casa...
_ Você ta indo pra onde, cara? Eu nem perguntei o nome do cara.
_ Eu moro na Santos Dumont, depois do Colégio Militar. Mas já que ofereci a carona posso te levar até em casa se você quiser.
Achei estranho ele dizer tudo aquilo sobre me deixar em casa... Levei apenas sete segundo pra decidir...
_ Eu moro na Lauro Maia, ali na Piedade. Se você for pela Avenida Aguanambi é só me deixar lá no Pão de Açúcar que tô praticamente em casa.
_ Combinado. Entra aí, você tá se molhando todo.
_Qual o seu nome? Perguntou o cara.
_ Matheus Pimentel. E você, cara... Qual o seu nome?
_ Rodrigo Santiago.
Ele finalmente engatou a marcha e seguimos pelas Ruas e Avenidas alagadas da Cidade de Fortaleza. O cara era falante que só... Eu nunca tinha conhecido uma pessoa que tivesse tanto assunto assim na vida.
_ E qual o curso que você ta fazendo? Eu tô em Farmácia... Vou continuar a tradição da família Santiago.
_ Civil. Sempre quis ser Engenheiro desde criança.
_ O que não faz tanto tempo assim... Tu tem cara de calouro... E começou a sorrir. Imposição dos teus velhos ou gosto mesmo?
_ Papai é Professor e minha mãe vende doces caseiros num pequeno comércio. Quanto a ser criança, bem, tô com quase 19 anos de idade. mais tu também não me parece tão velho assim...
_ Velho? Como assim velho, Matheus? Eu só tenho 21 cara.
Foi quando eu o vi em silêncio por um longo tempo. terminado o silêncio ele disse:
_ Tenho cara de velho, rapaz?
_ Relaxa, irmão. Era um jeito de falar... Só brincadeira... Sério.
Ele me olhava intensamente enquanto lhe respondia. isso me deixou intrigado e desconfiado. Não nego que seu olhar era intenso e prendia a outra pessoa... Só que era a primeira vez que um cara olhava pra mim assim.
_ O que você ta olhando, Rodrigo?
_ Nada não, cara... Você deve ser cheio de gatinhas na sua cola, né não?
_ Muriçocas você quer dizer, né?
_ Sério? Que mulherada mais exigente bicho...
_ E você, Rodrigo? Com certeza já deve tá amarrado com alguma gata...
_ Na verdade tô amarrado com a prima da muriçoca que ronda tua orelha...
Gargalhamos juntos pela primeira vez...
_ Nesse caso Rodrigo concordo com você cara, ô mulherada exigente...
_ Então nesse caso eu só posso presumir que você me achou um cara bonito, certo?
Fiquei da cor da um tomate maduro na mesma hora. Ele com certeza notou mesmo o carro estando no escuro e as luzes da Avenida não eram essas coisas todas não...
_ Você me achou bonito primeiro. Só tô retribuindo o elogio.
_ Não me enrola, Matheus... Achou ou não achou?
_ Posso ser franco com você, cara?
_ Deve meu mais novo amigo... Seja sempre franco comigo, beleza?
_ É por isso que tu ta sozinho cara... Tu é muito feio meu irmão...
Ele socou meu ombro já rindo...
_ Já vi que nunca saberei a verdade de você...
Quando chegamos em frente ao supermercado da Avenida Aguanambi eu o pedi pra para o carro pra poder descer...
_ Sem chance rapaz. Olha a porra da chuva, parece que aumentou de intensidade. Se você mora realmente na rua de trás não custa nada te levar até lá... Depois faço a volta e sigo por essa avenida até a D. Manoel e depois entro na Santos Dumont... Posso te levar em casa, Matheus?
_ Já que você insiste...
A rua estava praticamente deserta assim como as calçadas molhadas. Rodrigo parou em frente a minha casa e após estacionar o carro, o limpador do para brisa continuou em funcionamento. Ele virou a cabeça e me olhou do mesmo jeito que já havia olhado antes.
_ Você tá entregue, cara.
_ Poxa cara eu nem sei como fazer pra te agradecer...
E assim que terminei de dizer essas palavras, seu olhar me prendeu um segunda vez.
_ Não precisa agradecer. Eu ofereci a carona, lembra? Amigos? E sua mãos direita foi estendida na minha direção...
_ Caro, Rodrigo. Apertei sua mão e nesse rápido toque minha mãos tremeu e ele notou...
_ Tua mão ta gelada, cara. Frio?
_ Claro...
_ A gente se vê por aí então...
_ Claro... Boa noite e mais uma vez, obrigado.
_ Espero que não demore pra te ver... Posso te ligar?
_ Eu não tenho telefone...
_ Beleza... Eu sei onde você mora e dia desses passo aqui, pode ser?
_ Pode.
Me virei e abri a porta do carro, saí e bati no portão que sempre ficava fechado. Ele ligou o carro e disse:
_ Quero ver você de novo, Matheus. Vou ver você de novo, beleza?
_ Tudo bem, Rodrigo... Também quero.
O portão foi aberto e finalmente deixei o mundo la fora.
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Boa noite Povo do Lado Esquerdo.
Obrigado por tudo... O que vocês fizeram dessa vez me deixou sem palavras.
Como veem, a viagem foi breve, deu tudo certo e confesso que tava louco pra colocar essa nova trama no ar...
Sabe aquela história que o Tom Jobim fez uma música quando o avião se aproximava do Rio? Eu bolei essa trama assim também... E minha cabeça começou a fervilhar de situações e diálogos... meio louco isso tudo, né?
Li todos os comentários e devo lhes dizer que fiquei super, mega, hiper emocionado... Desde já todos estão proibidos de me fazer chorar, entendido?
Que sigamos juntos mais uma vez... Grande abraço a cada um... Nando Mota.