Promiscuidade?

Um conto erótico de Kerouaquiano
Categoria: Homossexual
Data: 06/07/2015 16:08:54

Queria esquecer como é sentir, eu não precisaria correr atrás para ter um pingo a mais da sensação. Seria como ser um eterno alienado que acha que é feliz, mas ele veio e roubou minha ilusão, como eu me arrependo de tê-lo conhecido naquele execrável e fatídico dia em que eu voltava da boca. Eu não deveria ter dado confiança a suas conversas, mas ele era o tipo admirável que para além de raro eu amo, como a porra de um sonho que se realiza e você apenas continua a sonhar, pois você não pensa que irá acordar e que tudo é real. Estou de volta à deriva, transando com um e outro, bebendo e me apegando a vícios que suprimem sua falta, fazendo-me companhia e me pondo pra dormir, me tirando da realidade, mexendo nas minhas sinapses como ele fazia ao aparecer pra mim e repetir mentiras ensaiadas.

Eu quero largar essa garrafa! Quero quebrá-la naquela cabela e rasgar aquele corpo com os cacos, mas eu viro uma estátua de sal quando ele aparece, e se não me mantenho drogado sempre eu me torno uma estátua só ao relembrar daquele rosto, é o bastante pra destruir meu dia, como me lembro dele sempre, ele esta destruindo os meus dias desde que saí daquela rua com minha encomenda.

Não consigo ser coeso e coerente quando ele é o assunto, me falta o léxico, a porra da sintaxe e não consigo dar forma a essa substância, é apenas substância, cheia de impressionismo, falta de uma hermetificação textual. Talvez seguir uma estrutura me impediria de colocar pra fora essa emoção, ela deve ser tratada como um grito, que não tem função de explicar, só exprimir.

A minha dor é saber que cada transa é uma prova empírica de que ninguém se compara a ele, essa busca é inútil mas é a única esperança de encontrar oxigênio nessa lama que ele me afundou. É quando coloco a boca na superfície e puxo apenas o necessário para continuar vivendo, logo quando a decepção vem, perco novamente o ar e volto a me iludir com um outro, para nesse momento de ilusão poder ir novamente à superfície.

Ontem, aproveitei o domingo e fui para um supermercado atrás de algum contato humano. Se você pensou em “banheiro”, você se enganou. À noite, quando se esta escolhendo um produto numa prateleira de um grande mercado, sempre aparece alguém, variáveis como bairro e sua aparência também influenciam.

O homem tinha cabelos acinzentados -de forma que só diante de uma luz forte se percebia-, olhos castanhos, magro, traços legais, estava bem para a idade e tinha um comportamento comedido e observador. Foi como sempre, as mesmas investidas sutis porém claras, bastante olhar, gestos, ele me rondava discretamente entre as seções que eu passava. Depois me perguntou se eu sabia onde havia um produto do supermercado -produto esse que estava na cara dele- e depois saímos do mercado falando trivialidades e fazendo observações óbvias, desses que se faz só pra eliminar o silêncio.

Acabamos em sua casa, eu estava totalmente desconfortável, não queria estar ali, isso estava estampado na minha cara e ele próprio percebeu. Às vezes acontece de eu me arrepender amargamente de estar na casa de um estranho, pra acabar com neuroses eu pedi umas doses de conhaque. Enquanto eu bebia ele me agarrava, tateava meu corpo, mexia no meu pau, era um corpo que estava ali para o seu prazer. Eu me sentia ambivalente, era bom e ruim aquilo tudo. Era um carinho depois de tanta desconsideração, ao mesmo tempo eu me sentia explorado por estar sendo usado pelo sofrimento emocional que eu me encontrava.

Eu procurava não pensar nisso, ver só o lado bom e “afetivo”, mas quando eu olhava pra ele eu via que ele não era nem a sombra do outro. Procurei tomar doses maiores de conhaque, em poucos minutos eu estava feliz, pronto pra aceitar tudo como afeto verdadeiro, pronto pra fazer o que tivesse de ser feito para me sentir melhor sendo melhor para ele.

Ele dizia coisas como “não acredito que você esta aqui”, “vai me dizer seu número?” e parecia impactado com a minha presença. Eu sentia apenas inveja por não estar compartilhando o êxtase. Mesmo estando nem aí pra ele, eu fui em frente, eu estava excitado pela situação sexual em que estava e até mesmo pelo discurso terno que ele proferia. Ele ficou de quatro e se abriu para que eu entrasse, com a mesma naturalidade com que abriu a porta de sua casa para alguém que mal conheceu. Ele me deu uma camisinha e meti de diversas formas, na hora eu pedia o tempo todo que ele trocasse de posição e também variava na velocidade em que metia. Para que ele aproveitasse minha porra, não gozei dentro dele, mas em sua boca, e, assim, ele se masturbou e gozou.

Saí daquela casa com a maior vergonha que já senti, não era vergonha de alguém ver ou algo assim, era uma vergonha que sentia diante de mim mesmo, em particular, como se meu “eu” estivesse cindido. Talvez a clivagem tenha dado errado, a realidade se sobrepôs.

O filho da puta, continua bem, como se eu não houvesse passado em sua vida; enquanto isso eu tento minorar o estrago que ele deixou. O pior é que sempre que estou bem, ele resolve aparecer, e sempre que ele aparece eu volto ao luto que estava superando. Ele talvez nem tenha consciência do que fez, para quem não se importa... Infelizmente a gente se esbarra por aí, mas dessa vez quando ele voltar a me procurar ébrio eu estarei igualmente drogado pra mandá-lo a puta que pariu, ou melhor, serei glacial, sem dar motivos para que ele pense ser importante. Quantos as merdas de sensações que senti, vou suplantá-las, mesmo que eu vá de cama em cama, numa busca desenfreada por sexo, emoção, vivacidade e liberdade, nesse caminho para a terra de Oz, talvez eu enxergue que eu já possuo TUDO o que busco e apenas não me dei conta ainda.


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Comentários

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Isso é tao comum: o sexo desenfreado como válvula de escape. Talvez a pessoa nao suporte olhar para dentro de si, pois nao gosta do que vê, um grande vazio ou uma confusão desesperadora. O apego exagerado tambem só traz dor para quem o sente. Bom, fico imaginando se há algo de "autobiográfico" em alguns desses textos... Sei que provavelmente nao saberei disso ;)

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